Cultura em transe
- GEPPC
- 25 de abr. de 2020
- 2 min de leitura
Cultura em transe
Por Raphael Cavalcante*
“Em um contexto desses, como esperar que tragédias como a que atingiu o Museu Nacional do Brasil, em 2018, não se repita?”

Crânio de Indivíduo Humano (Luzia),
Lapa Vermelha IV, Município de Pedro Leopoldo/MG. Museu Nacional.
Já não é mais novidade que o combate ao novo coronavírus trará mudanças significativas nas relações socioeconômicas de todo o mundo, pelo menos, até o desenvolvimento e a disseminação de uma vacina capaz de conter a propagação do vírus. Parece pacífico entre analistas que a recomendação de que não haja aglomerações norteie políticas públicas por meses a fio. Dentre os setores mais impactados, o setor cultural já tem sofrido grandes perdas com o isolamento social e a sua completa inanição apenas será evitada graças a muita criatividade dos agentes culturais e, naturalmente, do apoio do poder público.
No Brasil, a situação do setor cultural segue como incógnita à medida que ainda não houve grandes acenos do poder público, pelo menos do âmbito federal, que visem dar assistência para os milhares de entes do setor que serão prejudicados com o impedimento de realização de shows musicais, peças teatrais, festivais literários, festas juninas, manifestações carnavalescas e toda sorte de eventos. Tudo fica mais grave quando lembramos que a cultura é, tradicionalmente, encarada como setor econômico de menor prestígio, no que diz respeito ao aporte orçamentário de verbas públicas.
Atualmente, inexiste no Brasil a figura do Ministério da Cultura. A vontade de rebaixar a pasta nascera ainda no Governo Temer, medida descartada, diante do clamor público. Ainda no Governo Temer, no entanto, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Emenda Constitucional n. 95, a emenda que preconiza o teto de gastos públicos por duas décadas que, ao atender apelo do establishment econômico, impacta diretamente os investimentos públicos em áreas como saúde, educação, ciência e, claro, cultura. Finalmente, no Governo Bolsonaro, marcado por medidas ultraliberais à semelhança de seu antecessor, o Ministério da Cultura foi transformado em secretaria especial, sem o status anterior.

Partes do crânio de Luzia encontradas nos escombros após o incêndio que destruiu parte importante do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2 de setembro de 2018.
Foto da Folha de S. Paulo.
A fragilidade do órgão maior que representa a cultura no Brasil somada aos desafios do combate à pandemia do novo coronavírus denota a situação difícil do setor cultural, que segue sem grandes propostas para museus, bibliotecas, demais entidades, e, pior, no governo atual, ainda é ameaçado pela sanha do patrulhismo ideológico contra, por exemplo, a Agência Nacional de Cinema. O ápice da encruzilhada na qual se encontra a cultura no Brasil se deu quando Roberto Alvim, então secretário especial da cultura, em 16 de janeiro de 2020, publicou um vídeo institucional reverberando estética nazista, apesar de negativas do emissor. O secretário foi exonerado, mas a ferida exposta.
Em um contexto desses, como esperar que tragédias como a que atingiu o Museu Nacional do Brasil, em 2018, não se repita? Talvez, como nunca antes, pelo menos desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a gestão pública da cultura brasileira esteve tão à deriva.
*Raphael Cavalcante é bibliotecário, graduado em Biblioteconomia e mestre em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília. Atua na Biblioteca da Câmara dos Deputados. Integra o coletivo Liga Bibliotecária e é um dos produtores do podcast Biblioteco.
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